E se você vivesse em uma fortaleza?
“Não andeis ansiosos por motivo algum; pelo contrário, sejam todas as vossas solicitações declaradas na presença de Deus por meio de oração e súplicas com ações de graça.” (Apóstolo Paulo, Carta aos Filipenses).
“Nada é tão lamentável e nocivo como antecipar desgraças.” (Sêneca, filósofo estóico).
Estoicismo é uma escola de filosofia fundada na Grécia, em Atenas, por Zenão de Cítio. Tal escola ensinava que os homens podem alcançar a tranquilidade suprimindo o desejo de tudo aquilo que não se pode guardar para si. “Diante da desordem externa do mundo e da enfermidade física, retire-se para dentro de si e encontre Deus ali.”
Desse modo, a alma estóica permanecia firme durante as tempestades da vida praticando a apatia, e a disciplina de não se prender a coisas. Se não estivesse emocionalmente ligado às coisas, o indivíduo não teria como ser vitimizado e, assim, poderia viver com tranquilidade. Os estóicos alegavam que a virtude da coragem era necessária para enfrentar o que estivesse por vir.
O estoicismo influenciou o Cristianismo em seu início. Inclusive, há um testemunho peculiar que indica que o Apóstolo Paulo chegou a trocar correspondências com Sêneca, filósofo estóico romano (Cartas entre Paulo e Sêneca). Portanto, há uma aceitação de tal filosofia entre os cristãos. Segundo Bruce L. Shelley, “apesar do seu compromisso com Deus pessoal revelado em Jesus, os cristãos podiam apreciar algumas convicções estoicas, uma vez que eram reformuladas para o ensinamento cristão.”.
Por exemplo, os estóicos são a favor de se enfrentar o sofrimento com coragem, de ser independente das coisas deste mundo e de se confiar numa providência maior. Muitos constataram que aquilo que os estóicos buscavam era produzido pelo Espírito Santo nos cristãos — e é com base neste entendimento que desenvolvemos as linhas a seguir…
Se você está com medo, preocupado e ansioso diante das circunstâncias, o conceito de Cidadela Interior, pregada pelos estóicos, pode ajudá-lo com isso. Os estóicos defendem que essa fortaleza é o que protege a alma. Se você construir bem essa fortaleza, pode até estar fisicamente vulnerável ou à mercê do destino, mas seu interior permanece impenetrável.
Para exemplificar, podemos citar Viktor Frankl, judeu que viveu em um campo de concentração na época do nazismo. Frankl foi torturado, presenciou horrores, e ainda assim manteve-se são. Em seu livro mais famoso, Em Busca de Sentido, o sobrevivente escreveu:
“Nós, que vivíamos em campos de concentração, podemos nos lembrar dos homens que caminhavam pelas cabanas confortando os outros, dando seu último pedaço de pão. Eles podem ter sido poucos em número, mas oferecem provas suficientes de que tudo pode ser tirado de um homem, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas — escolher sua atitude em qualquer conjunto de circunstâncias, escolher seu próprio caminho.”
James Stockdale é outro exemplo notório. Preso no Vietnã por quase oito anos, o corajoso soldado também foi capaz de manter a sanidade. É ele o autor do famoso Paradoxo de Stockdale.
“Mantenha a fé de que você vencerá ao final apesar das dificuldades e, ao mesmo tempo, confronte os fatos mais brutais da sua realidade atual, sejam quais forem.”
Agora pensemos no Apóstolo Paulo, sendo preso e açoitado incontáveis vezes e ainda assim dizendo: “Quanto estou fraco é que sou forte.” Em meados do século primeiro, em Roma, encarcerado, Paulo escreveu as conhecidas Epístolas da Prisão — as quatro cartas do Novo Testamento da Bíblia: Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemon. Com elas, o apóstolo da Graça não apenas exortou, como motivou a muitos cristãos, não apenas naqueles tempos, como em todos os séculos posteriores. Paulo tinha sua Cidadela Interior, e nela, com ele, Cristo sempre estava.
Criando uma Cidadela e convidando Cristo a estar nela, somos capazes de enfrentar quaisquer tribulações, até mesmo as que muitos consideram “apocalípticas”. Afinal, se estamos com Cristo, não importa o evento, é Ele quem nos sustenta e nos protege.
É preciso lembrar, no entanto, que todo sistema é tão forte quanto seu elemento mais fraco. Assim, nenhuma defesa será útil se uma entidade de caráter questionável resolver abrir os portões da fortaleza. Deixar que sua natureza se entregue ao medo, ao desespero, à ansiedade, viver com temor agudo do fim dos tempos, do anticristo, do controle social e político, das catástrofes naturais, da escassez econômica — principalmente, quando não há certeza alguma de que o mundo acabará neste tempo —, é agir contrário ao ideal estoico, e acima de tudo, à fé cristã. Um homem ou mulher de fé não podem permitir a abertura dos portões da fortaleza para outras emoções e impressões negativas, o que inclui as ‘falsas propagandas escatológicas’.
Precisamos tomar cuidado, pois nem sempre as impressões que temos sobre a realidade são verdadeiras. A teologia produzida e propagada em muitas denominações cristãs acaba sendo contrária não apenas à Santa Tradição, como também ao bom senso. Há crentes que passam a vida recebendo ensinamentos escatológicos confusos e fundamentalistas que não causam nada além de medo e ansiedade. Dos púlpitos saltam narrativas que colocam holofotes sobre o mal, a besta, o anticristo e o inferno, enquanto a ênfase deve ser dada a Cristo, seu Evangelho e plano de redenção.
Não que as coisas ligadas à escatologia não devam ser lembradas ou estudadas, mas o querer sincero de estar com Deus deve ser maior que o medo de ir para o inferno; a esperança na redenção divina deve ser maior que o medo das grandes tribulações; a volta do noivo deve ser esperada com anseio mais do que a certeza de que o inimigo governará sobre os homens; o evento principal não é a vitória temporária do antagonista, mas o triunfo absoluto do Herói dos heróis. Isso tudo deveria ser suficiente para reduzir a preocupação excessiva que alguns têm com eventos apocalípticos.
Além do mais, como ensina o estoicismo, “não controlamos e não podemos depender dos eventos externos.” Isso também ajuda a refletir que não se pode controlar ou evitar qualquer evento escatológico. Se o fim dos tempos, a grande tribulação, e o governo do anticristo estiverem acontecendo, nenhuma iniciativa humana será capaz de evitá-los. Entretanto, nas redes sociais vemos pessoas aderindo às mais diversas teorias, travando uma guerra contra os supostos anticristos, como se pudessem evitar o curso das coisas. Isso é antiestóico — e anticristão. Revela muito sobre como ainda estamos apegados ao que não exercemos controle, e sobre nossa falta de fé na soberania de Deus.
Claro que não estou falando de protestos contra a opressão e o cerceamento de liberdade. É dever do cristão não se conformar com este mundo e lutar para torná-lo melhor. Mas devemos lembrar do que ensina a Bíblia, e o próprio estoicismo: que “breve é o nosso tempo de vida, e, portanto, devemos vivê-lo da melhor forma possível.” Devemos ser firmes, fortes, gerenciar os nossos impulsos, confiar em nossa capacidade de raciocínio e, principalmente, crer no poder de Cristo — tudo isso com a ajuda do Espírito Santo.
Em outras palavras, é tolo interpretar qualquer crise espiritual do mundo como o fim absoluto, bem como tentar evitar o curso das coisas, enquanto se aplica pouco esforço no dever pessoal de tornar-se um cristão virtuoso e prático. Que possamos viver um dia de cada vez! Quando se tem fé, é possível não desesperar-se diante das circunstâncias. Afinal, Deus jamais deixa um de seus filhos desamparados.
O salmo 37 enfatiza isso: “Ainda que caia, não ficará prostrado, pois o Senhor o sustém com a sua mão”, diz o verso 24. No fim, o poema bíblico além de amarrar sua ideia principal, que é os maus terão o que merecem e os bons herdarão a terra, também afirma que Deus é nossa fortaleza: “Quanto aos transgressores, serão, à uma, destruídos, e as relíquias dos ímpios todas perecerão. Mas a salvação dos justos vem do Senhor; ele é a sua fortaleza no tempo da angústia” (versos 38 e 39).
Portanto, apeguemo-nos ao hoje, porque o amanhã pertence a Deus. No mais, que também possamos recordar do que Cristo disse a Pedro em Mateus 16:
“As portas do Inferno nunca prevalecerão contra a Igreja”.