Início do Século XVII. Escócia e Inglaterra são unidas pela União das Coroas. Na prática, os dois países continuam como Estados soberanos, mas partilham o mesmo rei, Jaime I. É esse monarca quem ganha os holofotes neste texto, especificamente, por ser a figura por trás de uma das versões mais famosas da Bíblia…
Mas o que um rei tem a ver com as Sagradas Escrituras? Bem, como ocorria em geral na Europa, as versões da Bíblia utilizadas na Inglaterra da Idade Média eram escritas em latim (ainda que circulassem de maneira restrita algumas traduções manuscritas em inglês antigo).
Acontece que nas Constituições de Oxford, de 1408, a tradução da Bíblia ao inglês foi estritamente proibida, e apenas a Vulgata em latim era de uso legal. A coisa era tão séria que, em 1525, quando William Tyndale ousou traduzir o Novo Testamento e publicá-lo, não apenas os exemplares foram destruídos, como Tyndale foi executado.
Com a separação entre a Igreja Anglicana e a Igreja de Roma, ordenada pelo rei Henrique VIII, a situação começou a mudar. Surgiram então novas traduções da Bíblia ao inglês, como por exemplo a Bíblia de Genebra, de 1560, que não agradou o rei por conta de suas notas de rodapé.
Como resultado da Conferência de Hampton Court, em 1604, o Rei Jaime I encarregou uma nova tradução da Bíblia a uma comissão de 50 estudiosos. Para esta nova versão, foram utilizadas fontes primárias e também traduções anteriores. Inclusive, 80% do texto do Novo Testamento foi reaproveitado da polêmica versão de Tyndale.
Assim, em 1611, nasce então a conhecida “Bíblia King James”, em tradução, “A Bíblia do Rei Jaime”. Sua primeira publicação foi produzida em grande tamanho e sem ilustrações, formato ideal para ser lida em igrejas.
Atribui-se a Anthony Weldon, cortesão e político inglês, a autoria da denominação “o tolo mais sábio da cristandade”, fazendo referência ao Rei Jaime I. Isso surge por causa de posturas políticas que desagradaram seus opositores. Entretanto, desde o século XX, os historiadores revisaram a reputação de Jaime e passaram a tratá-lo como um rei sério e ponderado.
O monarca era um talentoso acadêmico, tendo escrito obras como “Daemonologie”, “The True Law of Free Monarchies” e “Basilikon Doron”. Uma coisa é certa, sua contribuição à Cristandade é considerável, fato é que a Bíblia King James adquiriu fama rapidamente e tornou-se uma das obras mais importantes da história ocidental.
Ainda hoje, a Bíblia King James é o livro mais publicado na língua inglesa, sendo considerado um dos livros mais importantes para o desenvolvimento da cultura e língua inglesa, e tido por muitos como uma obra prima da prosa jacobita.
A Bíblia King James é maior que a romana e as versões protestantes por conterem os chamados apócrifos. O reverendo Gyordano Montenegro explica que no anglicanismo, “o cânon estrito consiste de 66 livros, e eles a Igreja usa para fundamentar sua doutrina. Mas a Igreja também lê e recomenda outros livros, conhecidos como apócrifos ou deuterocanônicos. Nisso, ela parece com católicos e luteranos, e com alguns dos primeiros reformados”.
Ele também diz que “a Igreja Anglicana usa mais livros do que os católicos romanos. São três obras a mais: 3 Esdras (ou 1 Esdras), 4 Esdras (e 2 Esdras) e a Oração de Manassés. Na Igreja Anglicana, os deuterocanônicos são chamados de apócrifos, mas não estão no mesmo nível que outros apócrifos não recomendados. É por esse motivo que a Bíblia King James é maior que a romana. São livros muito interessantes e vale a pena lê-los.”
Infelizmente, as versões atuais brasileiras não contêm os livros apócrifos, mas ainda assim a Bíblia King James é uma bíblia que vale a pena ter na biblioteca.
Curiosidade: No filme “O Livro de Eli”, o livro sagrado que o protagonista carrega é uma versão da Bíblia King James.
