A Eucaristia no Anglicanismo

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Quando estudamos as doutrinas do Anglicanismo é imprescindível recordar que a tradição que temos diante de nós é uma fé extremamente rica, plural e diversa. Trata-se dum belo mar onde desaguam vários rios caudalosos, sendo cada um deles bem distintos entre si: o calvinismo (continental), o luteranismo, a filosofia escolástica, a tradição patrística etc. É por esse motivo que encontramos tantos clérigos anglicanos (especialmente aqueles da metade do século XVI até o final do século XVII) com pensamentos diferentes, que, ao meu ver, consistem tão somente no resultado da ênfase exagerada sobre um determinado aspecto de algum desses rios afluentes já mencionados.

Com a Eucaristia não poderia ser diferente. A Igreja da Inglaterra é uma importante protagonista do Cristianismo latino. Ora, sabendo que a Mesa ou Ceia do Senhor tem sido alvo constante de controvérsias na cristandade ocidental, pelo que sabemos, ao menos desde o século IX (com a diatribe entre Ratramno de Corbe e Pascácio Radberto) e depois as disputas dos séculos XI e XII causadas pelo surgimento da heresia de Berangário de Tours (as quais suscitaram na Igrejas as mais diferentes reações e desenvolvimentos doutrinários), não é de se estranhar que o Anglicanismo também tenha sido um palco de debates entre diferentes visões, que variavam desde posições mais figurativas até posições mais realistas, sacramentalmente falando.

Acerca dessas polêmicas eucaristológicas, o teólogo luterano Hermann Sasse (1895-1976) escreveu:

As origens do renovado interesse na teologia do Sacramento do Altar podem ser observadas no século IX, quando Pascásio Radberto escreveu o primeiro livro medieval sobre este sacramento e, desse modo, iniciou uma discussão entre os teólogos de seu tempo… [um poucos mais a frente, no que se refere aos pensamentos ocidentais e orientais posteriores] às liturgias orientais [ao contrário das ocidentais]… [possuem invocações onde] roga-se a Deus que transforme o pão no precioso corpo, o conteúdo do cálice no precioso sangue de Cristo, transformando-os (“metabolon”) através de seu Espírito Santo… esse é o motivo porque as Igrejas Orientais [em oposição ao Ocidente, que se consumiu em controvérsias sobre a Santa Ceia] nunca tiveram qualquer dúvida sobre a presença real… Por outro lado, havia no Ocidente, uma tradição litúrgica que não menciona qualquer “metabole” na oração eucarística1.

Assim, nas disputas eucaristológicas da Igreja da Inglaterra, aqueles ministros anglicanos que eram mais influenciados pela Teologia Reformada inclinam-se a tentar fazer da Eucaristologia dos padrões de fé reformados a visão oficial do anglicanismo, algo bem distante da realidade.

Na verdade, para sermos justos, os padrões confessionais da Igreja Anglicana preferem uma perspectiva eucaristológica que se situa como Via Média entre aqueles dois caminhos sacramentais que constantemente se contrapunham na Reforma Protestante, a saber, os rumos luterano e calvinista, evitando tanto se comprometer uma cristologia com sabores um tanto não calcedonianos (a famosa polêmica da ubiquidade) e ao mesmo tempo se distanciando de qualquer tipo de figurantismo que pudesse recordar algum zuínglianismo incipiente. Para isso, foi necessário ultrapassar bem os limites da teologia do próprio João Calvino e das confissões reformadas, onde Zuínglio exerceu muita influência. Dr. Jeremias Klein, pastor presbiteriano e cientista da religião, comenta:

Pode-se então observar uma “zuinglinização” de Calvino mesmo antes do díalogo com Bullinger, com vistas ao Consensus Tigurinus… Nas confissões de fé da Tradição Reformada o pêndulo da teologia sacramental oscila entre as concepções de Zuínglio e de Calvino, pendendo todavia para o último. Em “Grandes Temas da teologia reformada”, um articulista firma que a vitória teológica de Calvino, nos sacramentos, foi suplantada pela vitória litúrgica de Zuínglio2.

Nessa breve introdução conheceremos a doutrina anglicana da Mesa do Senhor. Pois bem, três documentos são extremamente importantes para conhecermos o que a Igreja Anglicana ensina sobre a Eucaristia: 1. O Livro de Oração Comum (LOC), 2. Os 39 Artigos da Religião e 3. O Catecismo da Igreja da Inglaterra. 

É até engraçado lembrar que a maior e mais importante confissão de fé do anglicano é um manual litúrgico, um guia de oração: o Livro de Oração Comum. Levamos muito a sério aquele lema de São Próspero: lex credendi, lex orandi. A lei da fé é a lei da oração, e a lei da oração é a lei da fé. Só oramos aquilo que cremos e vice-versa. Nossa doutrina está genuinamente contida em nossa liturgia. Acerca da Ceia do Senhor, ecoando o ensino de São Paulo em 1 Co 10:16-17 e também as palavras de Jesus no Evangelho de S. João, o cap. 6, a liturgia eucarística do LOC (1662) inicia com um convite à participação que relembra aos fiéis aquela realidade segundo a qual Deus não apenas nos enviou “seu Filho como nosso Salvador… para morrer por nós” como também para que Ele fosse “nosso alimento e comida espiritual neste sacramento”. É no sacramento que Cristo se torna comida espiritual para nós. A doutrina de Zuínglio não subsiste em pé perante tal declaração. A alimentação espiritual não é o crer, meramente, como queria o reformador suíço mencionado, mas o comer e participar de Cristo neste sacramento, que é exatamente onde Ele quer se doar a nós, para nos saciar.

Depois, imediatamente antes da oração de consagração das espécies, o sacerdote ora em favor dos congregados dizendo à Deus: “concedei-nos, pois, por vossa grande clemência, que de tal modo comamos a carne do vosso amado Filho Jesus Cristo, e bebamos o seu sangue, que nossos corpos pecadores sejam purificados por seu corpo, e nossas almas sejam lavadas por seu precioso sangue, e que sempre vivamos nEle e Ele em nós”.  Logo após, na oração de consagração, o ministro reza para que “recebendo nós… as criaturas do pão e do vinho, sejamos participantes do abençoadíssimo corpo e sangue de Cristo”. Quando acolhemos as espécies consagradas, participamos verdadeiramente de Cristo sacramentado. Ao receber o vinho e o pão, ouvimos do oficiante: “que o Corpo e o Sangue de Cristo te guardem para a vida eterna”. Na oração final de ação de graças, se louva a Deus Pai por podermos ter “recebido estes santos mistérios de alimento espiritual do mais precioso Corpo e Sangue de Seu Filho, nosso Salvador, Jesus Cristo”.

Acerca de todas essas belíssimas palavras litúrgicas, disse o clérigo anglicano M.F. Sadler (1819-1895), “fica claro que a Igreja da Inglaterra em seus formulários de fé e culto reconhecem plenamente a Santa Comunhão sob o aspecto em que ela é primariamente apresentada a nós na Escritura Sagrada, a saber, como meio de graça, e que em seu uso apropriado nos tornam participantes do Corpo e do Sangue de Cristo”3.

A liturgia anglicana enfatiza por demais a temática neotestamentária da participação no corpo e sangue de Cristo. É encharcada de referências ao comer e ao beber espiritual dos quais falam o próprio Senhor Jesus, aquela “manducação” que nos garante a Vida Eterna e nossa união com Ele: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia… Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6:54, 56). Há um destaque dos efeitos salvíficos da Eucaristia e o meio pelo qual essa eficácia se dá em nós. Quando comparamos a liturgia eucarística do LOC com as liturgias de S. João Crisóstomo (Igreja oriental) e a liturgia Tridentina (Igreja ocidental), teremos uma interessante surpresa: é verdade, reconheço, que em comparação as duas mencionadas, a liturgia anglicana tem poucas referências ao sacrifício eucarístico, que é um dos aspectos inegociáveis da Eucaristia no Novo Testamento. Todavia, é igualmente verdade que em comparação a essas duas, a liturgia eucarística do LOC enfatiza abundantemente mais o aspecto da “manducação” do Cristo sacramental e a participação no corpo e no sangue de Cristo.

Por esse motivo, o rev. M.F. Sadler ressaltou: “o reconhecimento da Eucaristia como a comunhão ou participação no Corpo e no Sangue de Cristo são incomparavelmente mais proeminentes no Livro de Oração Comum do que no Missal Romano… Por todo o documento [do Missal], do início ao fim, a Santa Comunhão aparece quase que exclusivamente como um ato sacrificial de adoração”4.

Nos 39 Artigos da Religião, por sua vez, se diz que a Ceia do Senhor “não é apenas símbolo ou indício da profissão [de fé] cristã, mas sinal eficaz, testemunho certo e firme, por intermédio do qual Deus opera invisivelmente em nós, não apenas nos vivificando [dar vida espiritual], como fortalecendo e confirmando nossa fé nEle” (Art. XXV). É interessante a escolha do termo “sinal eficaz”, terminologia escolástica utilizada para indicar um símbolo que não apenas aponta para algo, mas efetua aquilo que sinaliza. O Batismo e a Ceia, para um anglicano, não são símbolos vazios, mas sim “sinais eficazes”. Pouco depois, se diz que a Eucaristia é o “sacramento da nossa Redenção pela morte de Cristo” (Art. XXVIII). Ela não apenas aponta para, mas é, de fato, o símbolo que efetua nossa redenção pela morte de Cristo, de modo que quando participamos da Ceia dignamente somos salvos e vivificados pela “participação do Corpo de Cristo e… participação do Sangue de Cristo” (idem). Embora o pão e o vinho não deixem de ser o que são em sua natureza, posto que o apóstolo Paulo e Jesus ainda chamam as espécies de “pão” e “vinho” mesmo após a consagração, ainda se confessa que “o Corpo de Cristo é distribuído, tomado, e comido na Ceia” (ibid).

Esse linguajar realista – Cristo ser distribuído na Ceia – seria inaceitável para J. Calvino e para as confissões de fé reformadas, onde não se pode encontrar tal terminologia. Em contrapartida, podemos encontrá-la nos padrões doutrinários católico romanos e também nas confissões luteranas, que embora críticas da teoria católica da Transubstanciação, ensinam: “o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de Cristo estão verdadeiramente presentes na Ceia sob as espécies do pão e do vinho e são nelas distribuídos e recebidos” (Confissão de Augsburg, Art. X). Os 39 artigos ainda acrescentam: “somente dum modo celeste e espiritual” (Art. XXVIII) para que fique claro que essa distribuição ocorre num âmbito metafísico, não se trata de uma presença natural, grosseira ou carnafaítica. Como o teólogo anglicano rev. Ben Jefferies bem diz: “o melhor dos interlocutores católicos romanos (por exemplo, Belarmino) rejeitaria muito especificamente uma presença ‘carnal, natural’, enquanto endossava de forma enérgica uma presença “real e substancial’”5. Mesmo Santo Tomás de Aquino (1225-1275), o grande doutor eucarístico da Igreja Católica, diz claramente que

O corpo de Cristo NÃO está no sacramento do mesmo modo que um corpo em um lugar, o qual por suas dimensões é comensurado com o lugar, mas segundo um modo especial, que é próprio deste sacramento. Então dizemos que o corpo de Cristo está em diversos altares, não como em diversos locais, mas como no sacramento.6 [Ênfase minha]

Como o dr. Richard Gaillardetz, teólogo católico romano especialista em eclesiologia esclarece, “não encontramos Cristo na Eucaristia da mesma maneira que seus discípulos o encontravam no litoral da Galiléia… Na Eucaristia, Cristo é encontrado de um modo que dizemos ser real e sacramental”7.

E quando se diz que “o meio pelo qual o Corpo de Cristo é recebido e comido na Ceia é a fé” (Art. XXVIII), não se trata de anti-realismo ou anti-objetivismo; tampouco é uma defesa de que a presença de Cristo é algo que ocorre somente em “nossa mente” ou “nosso coração”. Esse trecho apenas assinala a obviedade de que a fé é o meio pelo qual recebemos o que é espiritual, em outras palavras, aquilo que os sentidos externos não captam. Como o rev. Ben assinala: “a Homilia chama a fé de ‘instrumento necessário’ pelo qual a realidade espiritual [metafísica] é discernida. O olho vê o pão; a fé discerne o Corpo de Cristo. Assim como Santo Tomás de Aquino escreveu séculos antes [no hino] ‘Adoro te devote’, ‘o gosto, o toque e a visão para discernir-te falham; a fé que vem pelo ouvido é que atravessa o véu”8. Ainda acrescentaria a citação de outro belo hino do Aquinate: “O Verbo encarnado, com sua palavra muda o pão real em carne; o vinho torna-se o sangue de cristo, e como os sentidos falham, para firmar um coração sincero, apenas a fé é eficaz [sola fides sufficit]”9. Enfim, em concordância com a confissão luterana de Augsburg e com a Apologia dela feita por Filipe Melanchton10, o livro de Homilias da Igreja da Inglaterra defende que Cristo é distribuido e confessa que na Eucaristia há um “devido recebimento de seu bendito Corpo e Sangue, sob as espécies do pão e vinho”11. Essa linguagem de Cristo “sob as espécies” é um distintivo realista relevantíssimo da confissão luterana de Augsburg, como já vimos.

A citação das Homilias é particularmente importante, porque os 39 Artigos reconhecem a doutrina delas como o ensino autorizado da Igreja Anglicana: “O Segundo livro das Homílias, cujos títulos reunimos abaixo deste artigo, contém doutrina pia, saudável e necessária para estes tempos, como também o primeiro livro das Homílias, publicado ao tempo de Eduardo VI; e portanto julgamos que devem ser lidas pelos Ministros, diligente e distintamente nas Igrejas, para que sejam entendidas pelo povo” (Art. XXXV). Por fim, o Catecismo da Igreja da Inglaterra, utilizado para formar as crianças que são crismadas e confirmadas na doutrina anglicana, diz o seguinte: “o corpo e o sangue de Cristo são, de fato, verdadeiramente tomados e recebidos pelos fiéis na Ceia do Senhor”.

É verdade que a doutrina eucarística da Igreja da Inglaterra já foi, historicamente falando, ameaçada pelo perigo das tradições exageradamente pneumáticas. O especialista em eucaristologia anglicana, rev. Brian Douglas (PhD), em seu livro A Companion to Anglican Eucharistic Theology (Brill, 2012, p. 244-246) nos conta que a oferta confessional de negar a presença real de Cristo no sacramento foi feita aos teólogos anglicanos em 1553, por ocasião da sugestão dos 42 Artigos que antecederam os famosos 38 e depois, os 39 Artigos. Num dos trechos daquela antiga proposta de confissão, “negava-se a presença real e corporal, a saber a carne e o sangue de Cristo” na Eucaristia. Essa sugestão foi REJEITADA pelos divines ingleses, quando essa passagem foi omitida e modificada por ocasião da promulgação dos 38 Artigos de 1563. Assim, aquelas “palavras negando a real e corporal presença de Cristo foram removidas” e tal alteração foi confirmada em 1571, com a promulgação da Confissão de Fé anglicana em sua versão definitiva. Finaliza rev. Brian informando-nos que prevalece nos “Artigos, como finalmente foram aprovados em 1571, a apresentação de uma visão realista moderada da presença de Cristo na Eucaristia” [tradução minha].

Depois dessa exposição de nossos padrões de fé, creio que ficou nítido que tomamos as palavras de Jesus Cristo muito reverentemente, quando Ele disse: “isto é o meu corpo” e “isto é o meu sangue” (Mt 26:26, 28). Ora, é verdade que devemos distinguir aquilo que ficou oficializado nos formulários de fé anglicanos – uma posição mais neutra e equilibrada – das posições particulares de teólogos ingleses. Todavia, ainda acho importante adicionar alguns testemunhos de teólogos relevantes da Igreja da Inglaterra a fim de certificar que o caminho interpretativo das palavras desses padrões está num direcionamento apropriado.

A palavra ‘somente’, no artigo supracitado, não exclui a presença do corpo de Cristo do Sacramento, mas apenas o modo grosseiro e sensível na sua recepção. Pois eu disse [ao bispo Cheyney] que embora ele tomasse o corpo de Cristo na mão, o recebesse em sua boca, e isso corporalmente, naturalmente, realmente, substancialmente e carnalmente, como escrevem os doutores, ainda assim ele não o via, sentia, cheirava ou degustava. E assim eu lhe disse que falaria contra ele aí, e principalmente porque o artigo foi de minha própria escrita12. — Revmo. Edmund Gheast (1514-1577), bispo anglicano e escritor do artigo XXVIII dos 39 Artigos.

Parece ser mais segura e verdadeira a doutrina daqueles que creem firmemente que o Corpo e o Sangue de Cristo estão presentes verdadeira, real e substancialmente na Eucaristia e são recebidos, mas de um modo incompreensível quanto à razão humana e inefável, conhecida por Deus somente e não revelada a nós nas Escrituras, não corporal, mas também não somente na mente ou pela fé somente, mas de outro modo conhecido apenas por Deus, e a ser deixado à sua onipotência13. — Revmo. William Forbes (1585–1634), bispo anglicano.

Se é claro que, pelo Sacramento da Eucaristia, Deus pretende nos oferecer a comunhão do Sacrifício de Cristo na Cruz, então há outra presença do Corpo e do Sangue do nosso Senhor no Sacramento além daquela presença espiritual na alma, que a fé viva provoca tanto sem o Sacramento como ao recebê-lo14. — Rev. Herbert Thorndike (1598–1672), clérigo anglicano.

Na Ceia do Senhor o corpo e o sangue do Senhor são verdadeiramente dados aos crentes; a carne do Filho de Deus, que vivifica nossas almas, a carne que vem do alto, o alimento da imortalidade, a graça, verdade e vida, Ceia para ser a comunhão do corpo e sangue de Cristo; pela participação do qual somos revividos, fortalecidos e alimentados para a incorruptibilidade; e pela qual somos enxertados, unidos e incorporados a Cristo, para que possamos permanecer nEle, e Ele em nós15. — Revmo. John Jewell (1522-1571), bispo de Salisbury.

É confessado por todos os teólogos que, com as palavras de consagração, o Corpo e o Sangue de Cristo estão presentes realmente e substancialmente, e assim exibidos e dados a todos os que o recebem, e tudo isso não de uma maneira física e sensível, mas de uma maneira celestial e incompreensível. Mas ainda permanece esta controvérsia entre eles: se o Corpo de Cristo está presente apenas no uso do Sacramento e no ato de comer, e não de outro modo. Aqueles que sustentam a afirmativa, como os luteranos (na Confissão Saxônica) e todos os calvinistas, parece-me que se afastam de toda a antiguidade, a qual coloca a presença de Cristo na virtude e bênção usada pelo sacerdote, e não no uso de comer o sacramento. E isso a maioria dos protestantes concedia e professava de primeiro, embora agora os calvinistas façam disso “mágica papista” em sua blasfêmia licenciosa16. — Revmo. John Overall (1559–1619), bispo de Norwich.

Cristo disse: ‘Isto é o meu corpo’, não ‘Isto é o meu corpo deste modo”. Agora, sobre o sujeito, estamos ambos de acordo; toda a polêmica é sobre o modo. O ‘isto é’, acreditamos firmemente… agora, o modo pelo qual se dá o que ‘é’, seja ‘em’, ‘com’, ‘sob’, ou ‘transubstanciado’, não há uma palavra no Evangelho. E porque nenhuma palavra está lá, podemos corretamente distingui-la de ser matéria de fé… ‘Nós ouvimos a Palavra, sentimos o efeito, não conhecemos a maneira, acreditamos na Presença’. A Presença, eu digo, nós cremos, e isso não menos verdadeiramente do que vocês [católicos romanos]17. — Revmo. Lancelot Andrewes (1555-1626), bispo de Chichester.

A Igreja da Inglaterra tem uma belíssima Eucaristologia, que faz jus à todas aquelas suas características próprias segundo a Escritura Sagrada. É exatamente essa visão elevada sobre a Ceia do Senhor que resplandece na nossa liturgia dominical. Provada pelo tempo, maturecida e enrubustecida pelos nutrientes de vários solos doutrinários distintos; uma bela e resistente tapeçaria composta de fios multicolores. Compreendendo o Sacramento do Altar como sendo a verdadeira participação no Corpo e Sangue de Cristo e reconhecendo a sua presença real ali, não fica difícil entender o porquê da Ceia do Senhor ocupar um papel tão central na nossa adoração.


Referências bibliográficas:

1 SASSE, Hermann. Isto é o meu Corpo. 2 ed. Porto Alegre: Concórdia. 2003, p. 32-36.

2 KLEIN, Jeremias. Os sacramentos na Tradição Reformada. São Paulo: Fonte Editorial. 2005, p. 87, 122.

3 SADLER, M.F. Church’s Doctrine. London: 1891, p. 172. [Tradução minha]

4 Idem, p. 175.

5 JEFFERIES, Ben. Is the Eucharistology of the Anglican Reformation Patristic? – PART 1. Disponível em: https://northamanglican.com/is-the-eucharistology-of-the-anglican-reformation-patristic-part-1/. Acesso em 04/08/2021. [Tradução minha]

6 Suma Teológica, IIIa, Q75, A1, ad3.

7 GAILLARDETZ, Richard R. Com que autoridade?: Manual sobre Escritura, Magistério e Senso dos Fiéis. 1 Ed. São Paulo: Edições Loyola. 2009, p. 25.

8 JEFFERIES, Ben. Is the Eucharistology of the Anglican Reformation Patristic? – PART 2. Disponível em: https://northamanglican.com/is-the-eucharistology-of-the-anglican-reformation-patristic-part-2/. Acesso em 04/08/2021.

9 AQUINO, Tomás. Pange Lingua Gloriosi. Disponível em: https://www.newadvent.org/cathen/11441c.htm. Acesso em 04/08/2021. [Tradução minha]

10 “Confessamos e acreditamos que na Ceia do Senhor o corpo e o sangue de Cristo estão verdadeira e substancialmente presentes, e são verdadeiramente distribuídos”. MELANCHTON, Filipe. The Apology of the Augsburg Confession / Art. X: Of the Holy Supper. Disponível em: https://bookofconcord.org/apology-of-the-augsburg-confession/article-x/. Acesso em 04/08/2021. [Tradução minha]

11 CRANMER, Thomas. The Book of Homilies: Homily Against Strife and Contention. http://www.anglicanlibrary.org/homilies/bk1hom12.htm. Acesso em 04/08/ 2021. [Tradução minha]

12 GHEAST, Edmund. Carta a Sir William Cecil. [Trad. Gyordano Montenegro]

13 FORBES, William. Considerationes Modestae. [Trad. Gyordano Montenegro]

14 THORNDIKE, Herbert. Pesos e Medidas Justos. [Trad. Gyordano Montenegro]

15 JEWEL, John. Apologia da Igreja da Inglaterra. [Tradução minha]

16 OVERALL, John. Notas Adicionais ao Livro de Oração Comum. [Trad. Gyordano Montenegro]

17 ANDREWES, Lancelot. Resposta a Belarmino. [Tradução minha]

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