Por que me tornei anglicano

Em uma tarde de domingo, numa roda de conversa, um amigo me perguntou por que eu decidi me tornar anglicano — considerando que fui batizado em uma vertente cristã, casado em outra e até recentemente frequentava uma terceira.

Minha resposta foi a que você confere abaixo, escrita de forma pouco mais elaborada:

Conheci o Anglicanismo através de dois dos meus escritores preferidos, ambos ingleses, G. K. Chesterton e C. S. Lewis. Ao conhecer suas biografias, descobri que os dois foram anglicanos, sendo que Chesterton posteriormente se converteu ao Catolicismo Romano, enquanto Lewis permaneceu membro da Igreja da Inglaterra até o fim de sua vida.

Ao saber da ligação desses gigantes com o Anglicanismo, resolvi conhecer mais a “Religião da Rainha” para entendê-la melhor. Foi então que comecei a ser envolvido por um laço de História, Tradição e Docilidade.

Primeiro, descobri que o termo anglicano tem origem em ecclesia anglicana, expressão medieval latina de 1246, que significa Igreja Inglesa. Neste primeiro momento, estranhei a informação de que o Anglicanismo havia sido fundado por um Rei, Henrique VIII, por um motivo estranhamente egoísta (essa informação persiste, mas não é só inconsistente como falsa). 

Cavando um pouco mais, compreendi que a história dos anglicanos é de muito antes. Cheguei a Agostinho de Cantuária, monge beneditino que se tornou o primeiro arcebispo de Cantuária, em 597. Agostinho, que foi enviado à Ilha Saxônica em missão evangelística, é considerado o “Apóstolo dos ingleses” e o fundador da Igreja na Inglaterra.

Cada vez mais ligado à história e contemplando a beleza de seu surgimento e relevância no contexto inglês, após três anos de pesquisa e observação, cheguei aos 13 pontos que tornaram o Anglicanismo a casa perfeita para acolher um pequeno cristão como eu:

1. Fé e Tradição. A fé dos anglicanos tem por base as Escrituras Sagradas, as tradições da Igreja Apostólica, da sucessão apostólica (“episcopado histórico”) e dos Pais da Igreja iniciais. Considero importante participar de um corpo coordenado por clérigos que estão ligados aos apóstolos. E ter a Patrística como base doutrinária torna a experiência religiosa muito rica. 

2) Equilíbrio. Um termo habitualmente usado por anglicanos é a via média. Apesar de não haver concordância sobre o que seria a “via”, em relação à doutrina e tradição, o significado parece permanecer: “o caminho do meio” — uma máxima filosófica para a vida que defende a moderação em pensamentos e ações. Um viver equilibrado pode ser vislumbrado no caminhar anglicano. 

3) Doutrina. A Igreja Anglicana contempla os Trinta e Nove Artigos da Religião, um importante documento que foi estabelecido em 1563, que define as práticas e a Doutrina Anglicana, e a difere da doutrina calvinista e católica romana. Essa organização doutrinária me fascinou e, ao ler e reler os artigos, tive mais certeza que estava me encontrando. 

4) Catolicismo. A Igreja Anglicana é Católica, porém não é romana. Os anglicanos entendem que o conceito de “catolicidade” está além dos rótulos denominacionais. Católico vem do grego kata (junto) e holos (todo), isto é: universal, que abrange tudo e reúne a todos (nesse caso, os cristãos).

5) Conservadorismo. Ainda estudando sobre a Igreja da Inglaterra, conheci a Global Anglican Future Conference (GAFCON), uma série de conferências de bispos e líderes anglicanos conservadores. A GAFCON contém a “Declaração de Jerusalém”, confissão doutrinária com pretensão de formar a base de uma nova união de igrejas com posições mais conservadores — tal declaração contém 14 pontos dos quais concordo.

6) Unidade (apesar da diversidade). Com mais de 90 milhões de membros, o Anglicanismo é a terceira maior comunhão cristã no mundo, atrás apenas da Igreja Católica Apostólica Romana e da Igreja Ortodoxa — também estudei as outras duas, mas foi no Anglicanismo que me senti em casa. 

7) Diálogo Ecumênico. Num geral, o Anglicanismo é o que parece dialogar melhor com outros ramos do Cristianismo, praticando um ecumenismo saudável. Até mesmo as alas mais conservadoras anglicanas parecem rejeitar o tipo “proselitismo exacerbado e fundamentalismo radical”, o que facilita a conversa entre diversos tipos de cristãos, e torna a comunhão mais ampla.

8) Sacramentos. Quando os Trinta e Nove Artigos foram aceitos como norma para o ensino anglicano, dois sacramentos foram reconhecidos — o Batismo e a Eucaristia — como tendo sido ordenados por Cristo (“Sacramentos do Evangelho” como referido no artigo XXV dos Trinta e Nove Artigos). Como tais, são os únicos dois considerados, por esse documento, os necessários para se obter a salvação. Eu já cria nisso antes de me tornar anglicano e fiquei feliz ao descobrir a informação.

9) Maria. A prática histórica da Igreja Anglicana tem um lugar especial reservado para Maria. Este espaço dedicado à pessoa da Virgem em suas comunidades é bem maior do que o espaço encontrado em outras comunidades protestantes, e pode ser percebido com bastante clareza. Para este que vos escreve, Maria é mãe de Deus, uma figura muito importante do Cristianismo que deveria ser mais respeitada e reverenciada entre todos os cristãos. 

10) Santos. Do latim sanctus, o termo santo é há muito tempo usado no Cristianismo para se referir a uma pessoa que reconhecidamente viveu uma vida de santidade e poder ser tido como modelo para outros cristãos. O Anglicanismo respeita a história e a experiência dos santos, considerando-os como exemplos a serem seguidos — isso é algo que me encanta, comove-me e me ajuda a persistir na fé.

11) Ícones. O Anglicanismo não é iconoclasta, ou seja, contra imagens e a representação religiosa. Os anglicanos entendem que ícone não é o mesmo que ídolo. Os cristãos quase sempre veneraram as imagens e a representação icônica dos Evangelhos esteve presente no Cristianismo Primitivo. Santo Agostinho escreveu: “Mas no que diz respeito a imagens e estátuas, e outras obras deste tipo, que servem como representações das coisas, ninguém comete um erro, especialmente se eles são feitas por artistas qualificados, mas cada um, assim que vê as semelhanças, reconhece as coisas que são de semelhanças” (Doutrina Cristã livro II, Capítulo 25)

12) Calendário litúrgico. Assim como o Catolicismo Romano, o Anglicanismo adere ao calendário de cerimônias, festas e solenidades religiosas. Também chamado Ano Litúrgico, este é o tempo em que a Igreja celebra todos os feitos salvíficos operados por Deus em Jesus Cristo. Ao seguir o calendário, tive uma peculiar experiência de fé que me fortaleceu como cristão. 

13) Rito. A Igreja Anglicana possui “O Livro de Oração Comum” (LOC), que é o livro oficial de preces e liturgias. Juntamente com a versão King James da Bíblia e as obras de Shakespeare, o Livro de Oração Comum é um dos três fundamentos do inglês moderno, e serviu também para me atrair para a tradição anglicana. Aliás, na minha opinião, a liturgia anglicana está entre uma das belas.

Extra: Pastor. Conheci um homem de Deus, o reverendo Gyordano Montenegro, que me ajudou a compreender o que significa ser anglicano. Além de tudo o que citei acima, dois textos dele deram o último empurrão que eu precisava. Segue dois trechos que tocaram minha alma: 

“Eu sou feliz na minha fé e na minha vocação. Não tenho motivos para ser católico romano ou ortodoxo, Deus nunca me pediu isso, e vejo em ambas as tradições doutrinas e práticas que eu não poderia jamais professar e defender “ex animo”.

[…] “a Igreja Anglicana é uma casa com muitos quartos e com uma mesa grande, ela aprende com todos, mantendo a sabedoria do seu equilíbrio. O que para outros é uma colcha de retalhos, para mim é uma túnica de várias cores, como a de José, perfeitamente integradas numa mesma fé, pela graça multiforme de Deus.

Tudo isso me fez abraçar a fé anglicana com satisfação e alegria. Como um membro do corpo de Cristo, sem menosprezar as demais tradições ou desprezar outras experiências, sinto-me em paz como anglicano.

Estou em casa.

Comments (6)
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  • Adeilson Silva Ribeiro

    Excelente texto. Muito esclarecedor, como tudo que o Paulo escreve.

    • Paulo Maccedo

      Obrigado, meu caro! Fico feliz em ler isso!

    • Cássio

      Ótimo texto !

      • Paulo Maccedo

        Obrigado!

  • Ellen

    Ficou muito bommm

    • Paulo Maccedo

      Obrigado! <3